domingo, 27 de julho de 2014

V de Vingança – Os ideais por trás da história. por: Willian Prestes de Oliveira



Introdução

A ficção, muito mais do que uma simples forma de entretenimento, é muitas vezes uma ferramenta de denúncia e crítica à realidade social. Através das histórias ambientadas em “futuros distantes”, muitos autores buscam fazer analogias com as sociedades vigentes e suas práticas, as quais consideram inadequadas.
A Graphic Novel V de Vingança foi escrita entre 1981 e 1988, pelo escritor inglês Alan Moore juntamente com o ilustrador David Lloyd. Concebida no contexto de fim da guerra fria e ascensão de Margaret Thatcher ao cargo de primeira ministra na Inglaterra, onde ela adotou uma série de medidas muito contestáveis.
Moore tece nas entrelinhas de sua Graphic Novel inúmeras criticas à realidade da época. Mesmo tendo ambientado V de Vingança em futuro não tão longínquo, é possível estabelecer paralelos entre o governo fictício e o governo contemporâneo à criação da história. Alan Moore afirma: “Decidi que, se queria escrever sobre este triste presente a melhor maneira de fazê-lo era na forma de uma história ambientada no futuro. (Moore Apud Vylenz. Winkler. 2005)
Em uma sociedade que em muito se assemelha a nossa, dominada por um governo autoritário, onde a privacidade e a liberdade pessoal foram extintas em prol a um suposto ideal de proteção da população, surge V, um revolucionário que tenta através de vários atos terroristas desestabilizar o governo e implantar na população um ideal de libertação de essência anarquista. “[Em V de Vingança] A anarquia é a única salvação do mundo, e um homem, um único homem pode mudar as coisas, por pior que elas estejam. Claro, agitando a massa para agir com ele.” (MOURA. 2011. P.82)

Alan Moore e seu impacto no meio das Histórias em Quadrinhos

                Até o início da década de 1980, as histórias em quadrinhos sempre tiveram seu foco voltado ao entretenimento do público infantil, envolvendo tramas mais amenas, de fácil assimilação e sem a presença de tanta violência. Isso se intensificou a partir da década de 50 devido à grande censura recebida após o lançamento do livro “Seduction of the innoncence” do psiquiatra Frederic Wertham, no qual ele afirmava que as histórias em quadrinhos eram péssimas influências para as crianças, estimulando a delinqüência infantil e até o homossexualismo. Surgiu então por parte das editoras o chamado “Comics Code Authority”, uma auto-regulamentação criada por medo de represálias do governo e da população. Esse código perdurou por cerca de 20 anos, até ser abandonado pelas editoras. (JARCEM, 2007)
 Mas uma grande mudança começava a acontecer nas histórias em quadrinhos na década de 80, devido ao surgimento de roteiristas como Alan Moore, Frank Miller e Neil Gaiman. As histórias em quadrinho começaram a ganhar uma “densidade” maior, começou-se a abordar diversos temas considerados estigmas para a época, como o preconceito, homossexualismo, drogas e entre outros. As obras não abandonaram a ficção, mas se tornaram mais críveis estabelecendo paralelos com a realidade. Acerca disso, Alan Moore comenta no documentário “The Mindscape of Alan Moore”:

Em meu trabalho eu me movo na ficção, não nas mentiras. [...] Com a ficção, a arte e a escrita é importante que, ainda que você esteja trabalhando em áreas da fantasia completamente diferentes, haja ali uma ressonância emocional. É importante que uma história soe real a nível humano, mesmo que nunca tenha acontecido. (Moore Apud Vylenz. Winkler. 2005)

Alan Moore, que escrevia roteiros para revistas de super-heróis, distorce completamente o ideal de um herói com um conceito de moral inquestionável que segue todas as leis e luta contra crime, isso veio a se tornar uma das marcas do escritor e pode ser vista em outras de suas histórias, como por exemplo, em “Watchmen”. Essa distorção do herói também é característica notável de V de Vingança, nela Moore apresenta V, o protagonista da história, como um terrorista mascarado que em momento algum revela sua identidade, sexo ou raça, que é uma vitima e produto desse governo, que vê no Anarquismo a única saída para a libertação da população.
V de Vingança é uma obra extremamente crítica que tem como principal objetivo levar o leitor a tecer uma série de reflexões durante a leitura. Isso fica evidenciado nos discursos proferidos por “V” ao longo da trama.

O Anarquismo em V de Vingança

[...] o nosso fim é chegar àquele estado de perfeição ideal no qual as nações não terão mais necessidade de estar sob a tutela de um governo ou de outra nação; e a ausência de governo é a ANARQUIA, A MAIS ELEVADA EXPRESSÃO DA ORDEM. (RECLUS, 2002, p. 12)
A trama de V de vingança como o título sugere, trata a respeito da vingança de seu protagonista “V”, que é um sobrevivente de um “campo de readaptação”, local onde na história eram presos aqueles que eram vistos como marginais pela ótica do governo fascistas, as minorias raciais, homossexuais e intelectuais contrários a esse governo. Inclusive na concepção original do personagem, que foi rejeitada pela revista Warrior onde a história seria publicada, Alan Moore propôs que V seria um transexual e por esse motivo teria sido enviado a esse campo.
Mas a sua vingança não é direcionada a um vilão e sim ao sistema de governo, ele age sabotando o governo matando seus líderes, destruindo seus símbolos e monumentos e tentando despertar na população um espírito revolucionário.
Na visão do personagem é apenas após a destruição completa do governo e de seus líderes que uma sociedade mais justa poderá “florescer” baseada nos ideais anarquistas. É notório durante toda a história a influência explícita das idéias do autor anarquista russo Michail Bakunin sobre a construção do personagem V feita por Moore e Lloyd.
Bakunin assim como V defendia que era somente através de uma revolução violenta que a sociedade conseguiria se ver livre da corrupção e que a partir da destruição é que se podia recomeçar.
“Confiemos no eterno espírito que destrói e aniquila apenas porque é a inexplorada e eternamente criativa origem de toda a vida. A ânsia de destruir é também uma ânsia criativa” (BAKUNIN apud WOODCOCK 1975: p. 132).

A máscara e as manifestações

Além de inspirar ideologicamente muitos daqueles que saíram as ruas em diversas manifestações ao redor do mundo, V de Vingança foi a fonte de onde os manifestantes tiraram a máscara que tanto se popularizou nesses movimentos. Isso se deve à enorme popularização da história ocorrida após sua adaptação, mesmo que não muito fiel, à obra original, para o cinema realizada em 2005.
A máscara que é usada por V na história tem o intuito de proteger sua real identidade.  Foi criada pelo desenhista e co-criador da história, David Lloyd. Ela foi inspirada em Guy Fawkes, um britânico católico extremista, herói militar e que foi morto condenado por terrorismo. Em 1605, Fawkes em associação com outros católicos planejou a explosão do parlamento inglês e o assassinato do Rei Jaime I com o intuito de restabelecer a monarquia católica na Inglaterra.
Atualmente, a máscara do V também é muito conhecida como principal símbolo do “Anonymous”, grupo de pessoas surgido na internet, que luta contra a perda dos direitos de liberdade de expressão e privacidade na mesma.  Seu uso nas manifestações pode ser interpretado como uma tentativa de exaltação da ideologia e não dos rostos por trás da máscara. E é justificada pela identificação que os participantes acabam tendo com os ideais do personagem.
Em entrevista ao jornal britânico “The Guardian”, Alan Moore comentou sobre a utilização da máscara em manifestações, segundo ele:

Ela transforma os protestos em performances. A máscara é dramática; cria uma sensação de aventura. Manifestações, marchas, são coisas que podem ser bem cansativas, exaustivas. Desanimadoras, até. Precisam acontecer, mas isso não quer dizer que são divertidas - e deveriam ser. (...) [Com as máscaras,] parece que esse pessoal está se divertindo. E a mensagem que passam com isso é muito forte.

Já em entrevista ao portal Uol, Moore falou especificamente a respeito do caso das manifestações no Brasil, e mandou uma mensagem aos manifestantes:  "Desejo o melhor para os protestos no Brasil. Acho que o que estão fazendo é maravilhoso e espero que isso progrida para uma vitória.” Também em entrevista ao portal Uol, David Lloyd demonstrou seu contentamento ao ver sua criação sendo usada pelos manifestantes:

Gosto de saber que a máscara está sendo usada desta maneira: um símbolo de resistência. É para isso que ela foi criada.[...] Ela também dá anonimato aos manifestantes, no sentido que transforma todas as pessoas em uma mesma pessoa: a massa que está lá protestando.

Considerações Finais

Quando Alan Moore e David Lloyd criaram e desenvolveram a história V de Vingança não imaginavam importância que essa história e seu protagonista teriam na sociedade atual. V deixou de ser apenas um simples personagem, mas se tornou um exemplo, um ideal de inconformismo contra um estado corrupto e disfuncional e acima de tudo um símbolo de resistência.
Cada manifestante que usa a máscara deixa de lado a sua identidade e o seu interesse pessoal para reivindicar o direito de todos, pois embaixo da máscara abdicamos nossos egos e assumimos nossa parte em algo muito maior, e é a partir desse momento que estaremos prontos a lutar pelas mudanças tão necessárias a nossa sociedade.
“Pronto! Você pretendia me matar? Não há carne ou sangue dentro deste manto pra morrerem. Há apenas uma idéia. Idéias são à prova de balas. Adeus” (MOORE, Alan ; LLOYD, David. 1989)

REFERÊNCIAS

MOORE, Alan.  Moore. Meet the man behind the protest mask. Disponível em: . Acesso em: 28 jun. 2014.
CRIADOR de "V de Vingança", Alan Moore diz que "é maravilhoso o que está acontecendo" no Brasil. Disponível em: . Acesso em: 25 jun. 2014.

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