"Fui Colocado entre a Miséria e o Sol" - Albert Camus.
Ele está sentado no canto da janela de um coletivo, escolheu a janela por julgar que o lugar estaria mais fresco, mas infelizmente esqueceu-se novamente de que naquele horário o sol atingia em cheio o canto esquerdo do ônibus. Ele realmente gostaria de ao menos uma vez escolher o canto certo.
Para ajudar, bem ao seu lado sentou-se um homem corpulento, que abria as pernas de forma espaçosa e esmagava-o contra a parede. Em sua cabeça passavam mil cenas em que ele se enfurecia e descarregava sua cólera contra aquele folgado, mas por fora seu semblante continuava tranquilo, ele não faria mal a uma mosca.
Aquele infeliz permaneceu ao seu lado até o terminal, onde ele deveria desembarcar, e ainda por cima demorou a se levantar. Que cretino! Bom, enfim estava salvo, tomou um fôlego e seguiu pelas travessas até chegar a casa lotérica, onde deveria efetuar os pagamentos de algumas contas que estavam em atraso.
Ele estranharia se não houvesse uma fila imensa. Ele estranharia mais ainda se cada pessoa a sua frente não demorasse uma eternidade para desocupar o guichê. Suas têmporas estavam inchadas e uma veia enorme pronunciava-se no lado esquerdo de sua cabeça. Os sapatos, a calça, a camisa, tudo o incomodava.
A única coisa que aliviava o pobre diabo era se compadecer da moça que realizava os atendimentos, se a situação estava ruim para ele, naqueles vinte minutos de espera, que diria para ela que deveria passar ao menos seis horas naquele inferno. Pobrezinha; aquela cabine era pequena e coberta por uma armação metálica, havia um "ventiladorzinho" ridiculamente posicionado sobre sua cabeça.
Mas o pior não era pensar no confinamento que ela enfrentava, mas sim imaginar todas as caras apáticas, raivosas, as vezes arrogantes e pretensiosas que ela precisava mirar o dia inteiro.
Sua vez estava próxima de chegar, ele realmente gostaria de mostrar um sorriso amistoso para aquela garota, afinal que culpa ela tinha de sua situação miserável? Que culpa tinha ela que suas contas atrasaram? Que culpa tinha ela que seu trabalho o obrigava a usar aquela roupa desconfortável? Que culpa tinha aquela pobre moça? Estavam ambos na mesma situação. Ambos sendo esmagados pelo calor escaldante e pela miséria de suas obrigações, pela força do "establishment".
O suor vertia pelas suas têmporas inchadas e acumulava-se na sua barba. Ele gostaria de sair correndo, de se enveredar pela mata e procurar um curso de água onde poderia se instalar. Não ele não poderia fazer isso, nasceu na cidade, nasceu sob a égide do estado moderno! Ele tinha um emprego, aliás tinha dois, tinha responsabilidades, tinha contas a pagar, dívidas a saldar, pessoas para cuidar. NÃO!
- Próximo.
Ele entregou a conta sem fitar o olhar da jovem. Sem sorriso, nem alegre semblante.
- Duzentos e vinte seis reais e setenta e cinco centavos.
Ele entregou o dinheiro amarrotado, que já estava contado dentro do bolso de sua calça. Mais uma vez sem cruzar o olhar com a jovem.
- Obrigado senhor. Próximo.
Ele se virou e se foi...
Marco Aurélio
Para ajudar, bem ao seu lado sentou-se um homem corpulento, que abria as pernas de forma espaçosa e esmagava-o contra a parede. Em sua cabeça passavam mil cenas em que ele se enfurecia e descarregava sua cólera contra aquele folgado, mas por fora seu semblante continuava tranquilo, ele não faria mal a uma mosca.
Aquele infeliz permaneceu ao seu lado até o terminal, onde ele deveria desembarcar, e ainda por cima demorou a se levantar. Que cretino! Bom, enfim estava salvo, tomou um fôlego e seguiu pelas travessas até chegar a casa lotérica, onde deveria efetuar os pagamentos de algumas contas que estavam em atraso.
Ele estranharia se não houvesse uma fila imensa. Ele estranharia mais ainda se cada pessoa a sua frente não demorasse uma eternidade para desocupar o guichê. Suas têmporas estavam inchadas e uma veia enorme pronunciava-se no lado esquerdo de sua cabeça. Os sapatos, a calça, a camisa, tudo o incomodava.
A única coisa que aliviava o pobre diabo era se compadecer da moça que realizava os atendimentos, se a situação estava ruim para ele, naqueles vinte minutos de espera, que diria para ela que deveria passar ao menos seis horas naquele inferno. Pobrezinha; aquela cabine era pequena e coberta por uma armação metálica, havia um "ventiladorzinho" ridiculamente posicionado sobre sua cabeça.
Mas o pior não era pensar no confinamento que ela enfrentava, mas sim imaginar todas as caras apáticas, raivosas, as vezes arrogantes e pretensiosas que ela precisava mirar o dia inteiro.
Sua vez estava próxima de chegar, ele realmente gostaria de mostrar um sorriso amistoso para aquela garota, afinal que culpa ela tinha de sua situação miserável? Que culpa tinha ela que suas contas atrasaram? Que culpa tinha ela que seu trabalho o obrigava a usar aquela roupa desconfortável? Que culpa tinha aquela pobre moça? Estavam ambos na mesma situação. Ambos sendo esmagados pelo calor escaldante e pela miséria de suas obrigações, pela força do "establishment".
O suor vertia pelas suas têmporas inchadas e acumulava-se na sua barba. Ele gostaria de sair correndo, de se enveredar pela mata e procurar um curso de água onde poderia se instalar. Não ele não poderia fazer isso, nasceu na cidade, nasceu sob a égide do estado moderno! Ele tinha um emprego, aliás tinha dois, tinha responsabilidades, tinha contas a pagar, dívidas a saldar, pessoas para cuidar. NÃO!
- Próximo.
Ele entregou a conta sem fitar o olhar da jovem. Sem sorriso, nem alegre semblante.
- Duzentos e vinte seis reais e setenta e cinco centavos.
Ele entregou o dinheiro amarrotado, que já estava contado dentro do bolso de sua calça. Mais uma vez sem cruzar o olhar com a jovem.
- Obrigado senhor. Próximo.
Ele se virou e se foi...
Marco Aurélio
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