A distinção entre liberdade e autoridade no feminismo
Feminismo é um termo controverso, não compreendido e extremamente mal divulgado. Seu significado é tão simples que, em sua concepção original, soa quase absurdo que existam vozes contrárias ao ideário.
A primeira das confusões está no campo dos sentidos: alguns pressupõem que a palavra seja uma linha de oposição extrema ao machismo, ou seja, a elevação da mulher como sexo dominante. Falácia. Feminismo é exatamente o princípio de que, afora as óbvias diferenças fisiológicas entre um homem e uma mulher, todo o resto é condição social.
É empírico. Basta que verifiquemos a quantidade de mulheres em ascensão aos cargos de liderança em empresas e no governo de diferentes países nas últimas décadas. Embora o Brasil tenha uma presidente mulher, ministras mulheres, presidente da Petrobrás mulher, fica evidente que o papel feminino na política ainda é escasso. Há cidades brasileiras sem nenhuma vereadora ou liderança política feminina.
Mesmo com a reforma na lei eleitoral 9100, realizada em 2010 pelo TSE, que assegura o mínimo de 30% das vagas dos partidos a um sexo e o máximo de 70% ao outro, a alegação das legendas é que a participação ainda é baixa. O problema não se consome na mudança de estrutura das instituições. Passa, principalmente, por uma questão cultural. Assim como em diversas áreas do conhecimento, ainda pouco ocupadas por mulheres, especialmente no que diz respeito às ciências exatas. Daí a importância do feminismo como processo de emancipação da mulher.
Diante de alguns estudos e estatísticas, não há dúvidas sobre a importância de um movimento desse porte. Mas, como nenhum pensamento é cristalizado e não há caminhos racionais de luz como propuseram os revolucionários iluministas, a sociedade faz questão de distorcer argumentações e tornar um processo que passou de luta pela igualdade à disputa de poder e autoritarismo.
A existência de entidades que promovem o feminismo com bandeiras específicas tornou-se comum nos últimos anos. O Femen, surgido na Ucrânia e trazido ao Brasil pela representante Sara Winter (expulsa recentemente do grupo por não cumprir metas por ele estabelecidas), recebeu notoriedade da imprensa pelos protestos com mulheres nuas e posições extremistas. Grande quantidade de reportagens passou a dar destaque a um grupo de mulheres que decide o que outras mulheres devem fazer ou não. A beleza feminina virou ferramenta de dominação da sociedade patriarcal. Posições sexuais acabaram em motivos de protesto. Houve mesmo quem argumentasse que a submissão sexual da mulher na cama é reflexo de seu papel na sociedade. Foi assim que o feminismo associou-se a práticas que nada têm a ver com o sentido que prega.
O jornalismo tem o poder de agregar conceitos à mente do leitor. Basta que um termo venha ao lado de outro em um título, e não haverá senso crítico que desconstrua ideias deturpadas sobre este mesmo termo. A legitimidade da busca por consenso entre gêneros cai por terra e substitui-se a liberdade por uma guerra de homens e mulheres. O machismo às avessas.
Gosto de um argumento usado pelo vlogueiro Pirulla, ao tratar de questões sociais, que ele chama de “mola”. Os movimentos das minorias começam oprimidos, reivindicam direitos para se tornarem mais livres, mas em algum momento uma parcela deste movimento vai querer mais, acabando com o próprio sentido de sua existência. Exatamente como o movimento da mola, que se contrai, se expande além de seu comprimento original e depois retorna ao estado de equilíbrio. As “expansões” produzem resultados de distorção sobre o argumento original.
Mas é importante que não exista um enfraquecimento do feminismo por conta destes muitos espantalhos que a ele se apontam. Não faltam discursos biológicos e pseudocientíficos que tentam comprovar que se a sociedade está assim dividida, é porque existem forças darwinistas ou algo semelhante. Há quem defenda que as coisas funcionam como funcionam porque existem instintos. Pois então retornemos a algum tipo de estado natural em que, ao ver uma pessoa do sexo oposto na rua, pratiquemos o estupro. Isso não é muito diferente do rapaz que tece grosserias às moças na rua e diz que elas deveriam entendê-los como um elogio. É fundamental que pensemos o ser humano não apenas como ser físico, mas também social e psicológico.
Emancipação não significa obrigação. Se uma mulher, consciente de seu papel social e suas possibilidades, decide que quer ser dependente de um homem, não há argumento que lhe demova tal direito. Ela pode. Se esta mesma mulher quer que o rapaz pague contas, ela também pode. Se ela quer usar a beleza como sua fortaleza, está permitido. O grande truque desta palavrinha, a tal liberdade, é que ela permite tudo em que haja consenso entre as partes envolvidas. Homem ou mulher.
Esse é o espantalho que criamos para ser abatido. Um tipo de feminismo que não existe, não prega igualdade, mas apenas perpetua uma visão de mundo em que a disputa de poder ocorre até mesmo entre os gêneros. Sejamos quem nós quisermos ser.
Esse é o espantalho que criamos para ser abatido. Um tipo de feminismo que não existe, não prega igualdade, mas apenas perpetua uma visão de mundo em que a disputa de poder ocorre até mesmo entre os gêneros. Sejamos quem nós quisermos ser.
Luiz Fernando Toledo